IN MEMORIAM
José Augusto Mourão (1947 – 2011)
Por altura da morte de José Augusto Mourão, J. Tolentino Mendonça escreveu um pequeno texto que intitulou “O vazio verde”, com o qual iniciamos esta nota In Memoriam:
“Um dia, quando se fizer a história do catolicismo português que nos é agora contemporâneo, há-de ver-se, em toda a clareza, que um dos seus actores magistrais foi, afinal, um frade e poeta, quase clandestino, que morreu esta manhã em Lisboa. Chamava-se José Augusto Mourão, e pertencia à Ordem dos Dominicanos. Nasceu em Vila Real em 1947, e construiu uma inscrição absolutamente invulgar na universidade e na cultura portuguesas. Foi professor no Universidade Nova de Lisboa, especializando-se no campo da semiótica, e prestando uma continua atenção a expressões de vanguarda que transformam os próprios dispositivos da criação (por exemplo, as mutações da literatura na época de cibernética ou as diversas formas de hipertextualidade ou de hiperficção que a nossa alta modernidade tem gerado). Aí deixa uma obra que, sob muitos aspectos, se pode considerar seminal e profética.
“Mas ele transportou também o mesmo espírito de profecia para aquela que é o opera magna da sua existência: a impressionante ponte (apetece escrever a “impossível ponte”) que ele, quase marginalmente, desenha entre o campo da fé e o da razão, entre a liturgia e a poética, entre a regra e o desejo. Por alguma razão, ele nunca foi um criador confortável, nem para o campo católico, nem para os parâmetros da cultura dominante. Os ouvidos crentes só a custo se abriam, porque ele operava com uma gramática inusual e exigente, buscava metáforas vivas, que é como quem diz, novas metáforas. Do mesmo modo, ele nunca obteve a visibilidade que certamente merece da parte da cultura.
“A sua poesia é, por exemplo, litúrgica, coisa que, em Portugal, é imediatamente catalogada de género menor. E alguns dos seus textos mais fundamentais são homilias: ora, as últimas homilias que a cultura portuguesa ouviu foram os do Padre António Vieira! Talvez um dia se reconhece a originalidade e o marco deste homem e se possa então valorizar o que ele hoje nos deixa em herança. Para já sentimos o grande vazio que a sua morte representa, que, como aponta o título do seu primeiro livro de poemas, somos desafiados a viver como um “Vazio Verde”.”
Este belo apontamento fala por si, e pouco mais podemos dizer para além das palavras de Tolentino Mendonça. Acrescentaremos apenas alguma notas curriculares.
José Augusto Mourão foi Professor Associado com Agregação da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi também investigador do CECL – Centro de Estudos de Comunicação e Linguagens a ainda membro da direção da RCL – Revista de Comunicação e Linguagens. Na universidade regeu, designadamente, as cadeiras de Semiótica, E-textualidades, e Hiperficção e Cultura no Departamento de Ciências da Comunicação, tendo sido professor nos três ciclos de estudos. Foi ainda membro do Comité executivo da Associação Internacional de Estudos Semióticos (desde 1999).
Mas o professor José Augusto Mourão tinha também essa outra dimensão de enorme relevância enquadrada na sua atividade de Dominicano. Nessa qualidade, foi Presidente do Instituto S. Tomás de Aquino, Membro da Comissão Permanente para a Promoção dos Estudos na Ordem dos Pregadores (desde 2007) e membro do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura (2010).
No cruzamento entre ambas as atividades o professor José Augusto Mourão escreveu poesia, fez tradução e publicou diversos livros, sobretudo no âmbito da sua atividade académica.
Alguns dos livros publicados:
(1985). Vazio Verde – O Nome. Lisboa: C.R.C.
(1988). A visão de Túndalo: em torno da semiótica das Visões (Lisboa: INIC).
(1996). Sujeito, Paixão e Discurso. Trabalhos de Jesus (Lisboa: Vega).
(1998). A sedução do real. Literatura e Semiótica (Lisboa: Vega).
(2001). Ficção Interactiva. Para uma Poética do Hipertexto (Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas).
(2004). O fulgor é móvel – em torno da obra de Maria Gabriela Llansol (Lisboa: Roma Editora).
(2005). A influência de Joaquim de Flora na Cultura Portuguesa e Europeia. Com Eduardo Franco (Lisboa: Roma Editora).
(2006). O Mundo e os Modos da Comunicação (Coimbra: Minerva).
(2007). Semiótica. Genealogias e Cartografias. Com Maria Augusta Babo (Coimbra: Minerva).
(2009). Hiperficção. A Literatura Electrónica (Lisboa: Vega).
(2010). Textualidade Electrónica. (Lisboa: Veja)
(2017). Obra Seleta de José Augusto Mourão. Lisboa: INCM – Imprensa Nacional Casa da Moeda
Alguns dos artigos mais importantes:
(1985). “As estratégias de veridicção no discurso”, RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, As máquinas censurantes modernas, org. de Adriano Duarte Rodrigues, nº 1, pp. 65-78.
(1987). “Da navegação dos afectos (As paixões no compendium spiritualis doctrinae de D. Fr. Bartolomeu dos Mártires)”, RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, As Paixões, org. de Chaké Matossian, nº 5, pp. 49-54.
(1988). “Crítica textual e modernismo (em torno do decreto Lamentabili e da encíclica Pascendi)”. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Moderno/Pós-Moderno, org. de Adriano Duarte Rodrigues, nºs 6/7, pp. 365-371.
(1991). “A verdade imperativa: para uma semiótica da blasfémia nas Sentenças”, RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Estratégias de Persuasão, org. de Tito Cardoso e Cunha, nº 14, pp. 47-54.
(1993). “A dor do diálogo intercultural: cristianização vs. orientalização. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, O não-verbal em questão, org. de Adriano Duarte Rodrigues, nºs 17/18, pp. 111-118.
(1993). “Verdade e veridicção na História da Subjectividade”. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Michel Foucault: Uma analítica da experiência, org. de J. Bragança de Miranda e A. Fernando Cascais, nº 19, pp. 35-45.
(1994). “O trabalho da figura: metamorfose/anamorfose”. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Figuras, org. de José Augusto Mourão, nº 20, pp. 121-129.
(1996). “O Fim do Mundo: cinema e parabolização”. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, O que é o cinema, org. de João Mário Grilo e Paulo Filipe Monteiro, nº 23, pp. 195-202.
(1998). “O drama do Bem e do Mal. A criação como combate: Gn 2, 4b – 3, 24”, RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Dramas, org. de Paulo Filipe Monteiro, nº 24, pp. 59-73.
(1999). “Tecnologia e literatura: as máquinas textuais. De F. Laruelle a Landow”. RCL – Revista de Comunicação e Linguagens, Real vs. Virtual, org. de J. Bragança de Miranda, nºs 25-26, pp. 403-414.
Ver ainda:
”Evocação breve de José Augusto Mourão”, por Helena Langrouva (2011). http://www.triplov.com/helena/jam/index.html
“No fulgor frágil da existência, a sedução do visível e a paixão do invisível. Em memória de José Augusto Mourão”. Moisés de Lemos Martins, Comunicação e Sociedade, vol. 26, 2014, pp. 307-314. http://www.scielo.mec.pt/pdf/csoc/v26/v26a11.pdf
E esta página dedicada a José Augusto Mourão: http://www.triplov.com/semas/