Os investigadores do ICNOVA, Teresa Mendes Flores e Luís Mendonça, recordam o legado científico e pessoal de Margarida Medeiros, que nos deixou esta semana.

Investigadora e Docente da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas  da Universidade Nova de Lisboa
Gupo de Cultura, Mediação e Artes do Instituto de Comunicação 
Departamento de Ciências da Comunicação

Margarida Medeiros foi uma investigadora, docente e crítica de grande relevo na universidade e meios culturais portugueses, com uma capacidade ímpar para mobilizar projetos e pessoas, em torno, especialmente, dos estudos da imagem, em particular no domínio da fotografia e do cinema. A sua obra, com múltiplos títulos (no caso dos livros, quase todos esgotados), é referência incontornável na área dos estudos de fotografia que contribuiu para constituir, afirmar e dar/dotar de visibilidade, tanto no contexto da investigação académica quanto fora dela, nos meios artísticos e culturais, sobretudo de língua portuguesa, em Portugal e no Brasil, mas também noutras geografias (neste caso, sobretudo através de dezenas de artigos em inglês ou francês). 

A singularidade do pensamento da Margarida Medeiros expressa-se na sua escrita que alia clareza e profundidade, curiosidade e paixão, e a qualidade de um pensamento filosófico. A capacidade de, pela escrita e nas relações com a diversidade de imagens que motivam essa escrita, produzir um pensamento ele próprio imagético, dotado da qualidade de  imagem pensante. Qualidade a que a sua formação de base em Filosofia não será alheia e que orientou, certamente, as questões sobre a ontologia do fotográfico que atravessam toda a sua obra e tocam as problemáticas do tempo, da morte, da subjetividade e dos fantasmas, problemáticas intimamente inscritas no próprio dispositivo fotográfico.  

Pensamento brilhante, capacidade de trabalho notável e, acima de tudo, uma exigência consigo mesma que se transpunha, natural e necessariamente, para quem a rodeava, alunos, orientandos, artistas e colegas de profissão, Margarida Medeiros contaminava todos à sua volta com um desejo – uma ânsia, uma fome, uma pressa e uma alegria – de conhecer mais e de saber apreciar tudo o que é novo ou diferente. O arrojo com que aprofundou e estreitou a articulação entre os conceitos e derivações da Psicanálise e a dimensão tanatográfica do “isto-foi” fotográfico (Roland Barthes foi um dos seus autores de cabeceira) atesta, por exemplo na sua brilhante Prova de Agregação ou no seu mais recente livro, Animismo e outros ensaios (Documenta, 2023), uma vontade de aproveitar e potenciar, até ao fim e superando os limites do corpo, o mais alto ensejo da investigação académica e da escrita ensaística. A sua investigação enlaçou os estudos da fotografia e do cinema, muitas vezes partindo da arte das imagens em movimento para acorrer ou regressar, a uma velocidade olímpica, que poucos conseguiam acompanhar em pleno, à descodificação dos mistérios da estase fotográfica, em relação à qual os grandes temas do retrato, da espectralidade e do realismo/animismo ocuparam uma parte considerável do seu tempo de estudo e de ensino.

As questões da produção da subjetividade, do eu e do outro, espelhados e duplicados pela fotografia e sua prolífica capacidade de encenar, são também centrais na sua obra, nomeadamente no seu primeiro livro, Fotografia e Narcisismo. O auto-retrato contemporâneo (Assírio&Alvim, 2000). Aqui, a prática artística da auto-representação é compreendida através destas questões culturais, tecnológicas e do imaginário. A mesma interpelação ao discurso positivista da fotografia, cujas raízes culturais analisa, surgem em Fotografia e Verdade. Uma história de fantasmas (Assírio&Alvim, 2010). Recorrendo a uma pesquisa histórica, nomeadamente, dos discursos oitocentistas que formularam muitas das concepções sobre o medium fotográfico, desvenda não apenas os mais ocultos discursos da magia negra e das potencialidades  mágicas com que este medium também foi recebido, como contribui para o debate sobre as potencialidades epistemológicas da fotografia (a sua verdade). 

Pode dizer-se que um dos grandes contributos de Margarida Medeiros para balizar a área de estudos fotográficos está nesta ideia de uma filosofia da fotografia (e da suas mediação/ões técnicas), aberta à diversidade de metodologias das ciências sociais, como a história, a semiologia, a sociologia, a antropologia e a psicanálise. Está também na relação entre fotografia e outros medium, como o cinema, a pintura, a gravura, o desenho mas também a literatura que sempre investigou de modo original. Como escreve em Fotogramas. Ensaios sobre fotografia (Documenta, 2016) – onde reune uma série de autores portugueses, que sabia cultivar e incentivar – “[estes] ensaios (…) vêm, justamente, contribuir para uma visão dispersa, contraditória, fragmentada da história da fotografia” (pg.9), porque não há nunca apenas uma história.

A atividade de Margarida Medeiros enquanto investigadora expressa-se também na curadoria de exposições, como a emblemática “Tesouros da Fotografia Portuguesa”, com Emília Tavares (Museu do Chiado, de 29 de abril a 28 de junho de 2015), entre outras, falando para diferentes públicos mas contribuindo para que estas outras formas de disseminação sejam consideradas relevantes enquanto produções científicas de pleno direito na academia. Os textos da Margarida são capazes de envolver e seduzir os seus leitores e leitoras – o que continuarão a fazer – , lançando-lhes pistas de reflexão e afecção que permitem seguir múltiplos caminhos. 

Na Academia, Margarida Medeiros manifestou sempre uma crença comovente nas capacidades dos seus alunos, que, invariavelmente, lhe devolviam essa confiança com um rigor e uma devoção especiais, que ela própria ajudava a revelar, tendo iniciado muitos à arte da pesquisa, da escrita e da partilha do conhecimento através do seu ensino. Enquanto docente e investigadora, sabia e defendia que não pode haver pesquisa sem uma profunda relação de paixão com os objetos e questões de estudo, sem um envolvimento subjetivo – que em nada mancha quaisquer preceitos de objetividade – mas que nos mobiliza a todos e a todas, em volta de uma investigação com propósito maior, voltado para a importância das perguntas, a relevância dos modos de encontrar as respostas, a criatividade que deve liderar essa prossecução. Muito para além das métricas que se instalaram na academia e, em alguns casos, podem ser falácias.

Esta paixão pela fotografia e pelo mundo, aliada ao seu humanismo, generosidade, alegria e grande sensatez, contagiaram colegas no ICNOVA  e no Departamento de Comunicação, e contagiaram inúmeros estudantes, seus orientandos/as e ex-orientandos/as, que soube reunir no observatório que fundou no ICNOVA – o observatório em Estudos Visuais e Arqueologia dos Media, o EVAM, que continuará, através dos seus estudantes e colegas, o seu legado.

A sua partida deixa-nos mais pobres. Temos, agora, a responsabilidade de continuar os vários projetos em que participava, levando-os sempre mais fundo e mais longe como ela própria nos habitou.

TMF e LM

11 de Janeiro de 2024

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