Como funcionam as plataformas de encontros, como o Tinder? E quem são os utilizadores portugueses destas plataformas? Este foi o ponto de partida para que Rita Sepúlveda, investigadora ICNOVA (iNOVA Media Lab), iniciasse o seu trabalho nesta área de investigação. Depois da tese de doutoramento, “Entre swipes e matches: intimidade mediada em contexto de online dating” e do recém-lançado livro Swipe, Match, Date, Rita Sepúlveda continua a investigar plataformas digitais e relacionamentos, mas noutras vertentes.

Em entrevista, Rita Sepúlveda aborda os resultados da sua investigação, mas também algumas das dificuldades com que se deparou ao longo do processo, do desenho da pesquisa às estratégias para encontrar pessoas disponíveis a participar no estudo. Realçando o impacto destas plataformas na forma como nos relacionamos com o outro, a investigadora reflete ainda sobre os mecanismos na base destas apps e sobre a falta de abertura das mesmas à investigação.

Como surgiu o interesse pelas plataformas de encontros como área de investigação?

O ponto de partida foi a curiosidade. Tinha curiosidade em saber o que era isto das plataformas de encontros, como é que funcionavam, porque é que as pessoas usavam, quem é que decidia usar e porquê. Percebi também que havia pouca informação sobre o tema. Existia investigação feita, por exemplo, sobre chats, ou no âmbito da psicologia, mas pouquíssima investigação produzida no âmbito das Ciências da Comunicação e na realidade portuguesa. Lá fora, havia muita, muita produção.

Que perceções tinha, inicialmente, destas plataformas de dating e como é que foram evoluindo ao longo da investigação? 

Curiosamente, essa até foi até a reflexão final da minha defesa de doutoramento. Em teoria, o investigador não deve ter ideias pré-formadas sobre o seu objeto de estudo, porque isso até pode moldar a investigação. Porém, os investigadores também são pessoas, que também refletem sobre os temas, que equacionam hipóteses. No meu caso, eu tinha ideias pré-concebidas sobre as plataformas de encontros e sobre quem usava, e foram os utilizadores [através dos questionários e entrevistas] que as desconstruíram. Comecei a investigar este tema há anos: foi o tema da minha dissertação de mestrado e que continuou depois no doutoramento. Inicialmente tinha a ideia, por exemplo, de que os homens procuram mais sexo do que as mulheres; ou que são eles que procuram sexo e elas procuram relacionamentos. E tinha também uma ideia pré-concebida sobre as próprias plataformas e a forma como estavam desenhadas. Os utilizadores mostraram-me que estas plataformas não eram algo de recurso e que eram usadas de forma combinada, por exemplo, com outros locais e outras redes para conhecer pessoas. O maior ensinamento? Que estas são plataformas válidas para conhecer outras pessoas, seja para um relacionamento de um dia ou de uma vida inteira.

Quais as dificuldades iniciais com que se deparou quando começou a investigar este tema?

Não haver tanta produção nacional, na altura em que me interessei pelo tema, obrigou-me a pensar mais nos métodos para o estudar, na melhor metodologia para conseguir obter respostas às perguntas que queria, até porque o tema é, de alguma forma, sensível. A dificuldade foi essa: desenhar toda a pesquisa. Também foi muito difícil encontrar pessoas disponíveis para falar sobre o tema. Pensei nas redes sociais, no passa-palavra… Mas o que senti foi que divulgava o estudo – com partilhas entre a minha rede, partilhas com a escola, etc – e não tinha respostas, nem para encontrar pessoas para participar nos questionários, nem pessoas para entrevistar.

Foi preciso mudar a abordagem?

Sim. Numa fase posterior, fui para o Facebook e contactei os administradores de vários grupos de encontros/namoro para poder publicar o estudo nesses grupos. Essa foi uma técnica que encontrei e que teve alguns resultados. Fiz também panfletos, colei cartazes, fiz anúncios no Facebook… Tive de encontrar aqui novas estratégias porque as que pensava que iam resultar não foram suficientes. Inscrevi-me também em várias plataformas de dating e, basicamente, anunciei que era uma investigadora e que estava à procura de pessoas para entrevistar sobre esta temática. Foi assim que recrutei muitas pessoas para as entrevistas. Depois o Tinder bloqueou-me, por completo.

Há falta de disponibilidade das próprias plataformas em colaborar?

No geral, as plataformas de dating estão pouco disponíveis para trabalhar com investigadores. Não há uma API das plataformas, portanto, eu, como investigadora, não posso recolher dados. Mas trabalho, atualmente, com uma plataforma portuguesa que está sempre muito disponível para pensarmos sobre os dados que têm. Das grandes plataformas internacionais não consegui nem uma resposta. Por outro lado, sinto que hoje é muito mais fácil as pessoas participarem neste tipo de estudos. Há mais pessoas a usar, fala-se mais sobre isto. Está muito mais claro que existem plataformas de dating, até devido a podcasts, séries… As pessoas estão mais disponíveis, ainda que exista algum tabu, o tal estigma associado – e que faz parte do nosso crescimento como sociedade.

E, afinal, quem são os utilizadores portugueses destas plataformas?

Estas plataformas são usadas por todas as pessoas. Obviamente que podem ser mais comuns determinadas idades: pensemos, por exemplo, nas faixas etárias mais jovens e mais associadas à procura de um início de relacionamento; mas também, depois, aquelas idades dos divorciados. A idade média também depende muito das plataformas. No Tinder, por exemplo, é de +20 anos, enquanto no Felizes.pté +40 anos. Mas qualquer pessoa utiliza, independentemente do estrato social. Há mais homens do que mulheres nestas plataformas. Há também mais utilizadores nas grandes cidades: Lisboa, Porto, distrito de Setúbal. Quanto às plataformas, o Tinder é a plataforma que tem mais utilizadores. Está sempre no top: top de downloads e top de receitas.

Como se comparam os utilizadores deste tipo de plataformas em Portugal aos utilizadores internacionais? 

Não tenho dados para responder. Contudo, sabemos que, efetivamente, a cultura é uma variável importante na análise. Nem que seja porque, em Portugal, as plataformas existem há menos tempo do que noutros países, até em quantidade.


“As decisões são tomadas de forma muito rápida, até porque há um perfil para ver a seguir”

De que forma é que estas plataformas e o contexto digital alteraram a dating culture e as práticas sociais associadas? 

As plataformas impõem, de certa forma, comportamentos. Um utilizador que está numa plataforma a ver um perfil vai avaliá-lo de determinada maneira, que não faria se não fosse online. Refiro-me, nomeadamente, à questão visual. A maior parte das plataformas aproveitam-se do ecrã do smartphone, apresentam uma fotografia que ocupa o ecrã e o utilizador baseia toda a sua decisão naquela informação, que é basicamente informação visual. Isto condiciona, de alguma forma, os nossos comportamentos e as nossas decisões sobre se queremos conhecer mais aquela pessoa ou não – que é a decisão que podemos fazer com base no perfil. Mas há mais questões: por exemplo, o facto de as pessoas se sentirem meros números, de serem apenas um perfil entre os milhares disponíveis, o que pode provocar alguma angústia. As decisões são tomadas de forma muito rápida, até porque há um perfil para ver a seguir – e isso é muito duro.  Por isso se diz que, de alguma forma, isso quebra alguns laços sociais na forma como nos relacionamos com o outro. Uma pessoa tem de ter uma boa estrutura emocional para lidar com a rejeição, para lidar com os perfis infinitos e conversas que não evoluem, com a desilusão de um encontro.

E há sempre um perfil para ver a seguir…

Sim, esta ideia de que existem perfis infinitos – que faz surgir a terminologia de “catálogo”, “montra”, “talho” – e que também está relacionada com o paradoxo da escolha: não sei se me quero relacionar com esta pessoa porque o perfil a seguir pode ser melhor do que este, então acabo por ter dificuldade em tomar uma decisão. Tudo isto é construído na plataforma.

O próprio desenho das plataformas alimenta estes comportamentos?

As plataformas têm por detrás mecanismos que são aditivos. É aqui que entra a ideia da gamificação – e muitos autores comparam isto a uma slot machine. Eu passo [swipe], passo, passo… e a minha recompensa é um match [com outro utilizador]. Há utilizadores que colecionam matches. Mas o valor do match é zero. Até aí não houve nada, é só aquela gratificação de estar no mecanismo.

A gamificação e a certeza de um match – ou seja, saber que a outra pessoa também está interessada – tornam as plataformas mais apetecíveis, em comparação com o dating “tradicional”, fora do online?

A lógica de utilização faz com que os utilizadores prefiram recorrer a uma plataforma de dating em vez de se exporem noutras situações, porque as duas pessoas estão ali com um propósito semelhante. Ou, pelo menos, partilham a disponibilidade. Ainda assim, não conheci nenhum utilizador que usasse as plataformas de forma exclusiva. Era sempre mais uma [opção] que se juntava a outras. Em determinados momentos, podiam usá-la de forma exclusiva, por exemplo quando iam viver fora do sítio habitual de residência. Mas não de forma permanente. Ainda assim, as ferramentas são aquilo que nós quisermos fazer delas. Podemos também nós moldá-las e decidir se queremos usá-las, quando e em que circunstâncias.

Depois da tese de doutoramento – e do recém-apresentado livro para o público generalista Swipe, Match, Date -, qual o seu foco atual em termos de investigação? 

Neste momento, estou a realizar um pós-doutoramento aqui no ICNOVA. A área de estudo continua relacionada com plataformas digitais e relacionamentos, mas investigo agora a forma como os relacionamentos são geridos através de apps. Por exemplo, um dos estudos que temos é a comunicação do noivado no Instagram. Queremos perceber como é que as pessoas comunicam isso, complementado com entrevistas que nos expliquem qual a necessidade, o porquê de o fazer através das redes. Outro estudo é sobre as chamadas couple apps, soluções digitais que ajudam, de alguma forma, a gerir o relacionamento, seja do foro sexual, seja no âmbito do coach, ou para partilhar tarefas domésticas, por exemplo. Basicamente, o que pretendo estudar é a oferta das lojas digitais face a este tipo de aplicações, e estudá-las. Depois existe um terceiro estudo, muito ambicioso: o recurso ao Whatsapp como ferramenta de comunicação entre casais. Sobre o que é que as pessoas falam? E porquê o Whatsapp?

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